quarta-feira, 28 de março de 2007

Leituras...

... ou literatura para pensar o quotidiano -- ainda a propósito das crianças abandonadas.

A Criança no Tempo, de Ian McEwan, Gradiva (Lisboa 1989), apresenta-nos, numa ficção crua e fria, por vezes mesmo implacavelmente lancinante, a tragicidade do tempo, enquanto se entretecem as emoções, as relações, os conflitos e os sentimentos dramáticos experienciados pelos pais de uma criança que desaparece no bulício de um supermercado, quando acompanhava a mãe nesse quotidiano acto, tão aparentemente inofensivo e banal, de "fazer compras".
Oportunidade para reflectir na pesada inexorabilidade do tempo. Oportunidade para pensar na criança como ser indefeso, no vínculo vital, emocional e psicológico da criança face aos seus progenitores, mas também no sentimento de pertença, de quase propriedade, que os pais alimentam relativamente à criança, quer como filho biológico quer adoptado.
Se numa sociedade democrática liberal, as pessoas têm o direito e talvez mesmo o dever de pensar e manifestar a sua opinião sobre a vida pública, também é verdade que o extremar de posições opinativas, necessariamente emotivas e insuficientemente reflectidas, acerca de temática tão sensível, como a guarda de crianças abandonadas, raptadas ou de pais divorciados, pode conduzir a uma perversa banalização da justiça, como, sobretudo, constituir uma interferência traumática acrescida na psicologia do desenvolvimento da criança envolvida.
Cuidado, pois, com os excessos -- a justiça sempre exigiu uma serena e prudente ponderação de circunstâncias, factos, interesses e leis que espelham os valores mais considerados numa sociedade bem ordenada.

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