...a voz a «esse meu íntimo assunto poético em que além de mim age um ignotus que ainda estou para saber o que é.» Natália Correia, “Introdução” a O Sol nas Noites e o Luar nos Dias, Círculo de Leitores (Lisboa 1993) p.I
O Mistério
Misterioso ciclo da poesia
que como a roda das estações
sobre o meu peito gira.
Que mão oculta move o ponteiro agora
e arrebata o meu canto na suspensão da hora?
Onde se constroem estas tempestades estes oceanos
a água que rasga a terra que fica
mais verde e mais rica?
Gera-os a esperança ou os desenganos?
Serás o desenlace dum fantasma
sempre perto sempre frio sempre a esmo
forma que dei ao medo comigo concebido
e que é o meu vulto reclina
no que nele mesmo não foi percorrido?
Ou serei eu de olhos abertos
noutras manhãs noutros países
cantando aqui de olhos fechados
a memória de tempos mais felizes?
Serás tu a abominação
o remorso do que não completei
e que completo na canção
do que não vi do que não sei?
Serás a dor que se desloca
no pedido que a boca formula
à voz que na alma canta
e que nunca nunca chega à garganta?
Ou serás apenas mediunidade
o acaso na concha retendo o mar?
A imposição doutra vontade
que em mim quer continuar?
Natália Correia, Poemas (1955)
O Mistério
Misterioso ciclo da poesia
que como a roda das estações
sobre o meu peito gira.
Que mão oculta move o ponteiro agora
e arrebata o meu canto na suspensão da hora?
Onde se constroem estas tempestades estes oceanos
a água que rasga a terra que fica
mais verde e mais rica?
Gera-os a esperança ou os desenganos?
Serás o desenlace dum fantasma
sempre perto sempre frio sempre a esmo
forma que dei ao medo comigo concebido
e que é o meu vulto reclina
no que nele mesmo não foi percorrido?
Ou serei eu de olhos abertos
noutras manhãs noutros países
cantando aqui de olhos fechados
a memória de tempos mais felizes?
Serás tu a abominação
o remorso do que não completei
e que completo na canção
do que não vi do que não sei?
Serás a dor que se desloca
no pedido que a boca formula
à voz que na alma canta
e que nunca nunca chega à garganta?
Ou serás apenas mediunidade
o acaso na concha retendo o mar?
A imposição doutra vontade
que em mim quer continuar?
Natália Correia, Poemas (1955)
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