quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Ranking de políticas educativas

Os resultados obtidos pelos alunos das escolas portuguesas nos exames nacionais do 9.º ano e do ensino secundário, conjugadas com as classificações obtidas na frequência do último ano lectivo, proporcionaram mais um escalonamento das escolas em rankings nacionais (veja-se os da SIC, aqui).

Nesses rankings de escolas pode verificar-se duas coisas fundamentais para a avaliação do desempenho das escolas, mas também das políticas educativas orientadoras:

1. uma descida bastante significativa das escolas públicas nos rankings (a melhor pública – a Secundária D. Maria, em Coimbra – caiu de 5.º para 14.º lugar);

2. um aumento anormalmente exponencial das classificações nos exames de Matemática do 9.º e do 12.º anos.

Ora, o primeiro facto mostra claramente um falhanço confrangedor das políticas educativas pseudo-reformistas empreendidas por este governo, que pretensamente seriam a salvação da escola pública no que toca aos maus resultados dos alunos, situação que tais políticas, supostamente, iriam inverter. Se as políticas educativas deste ME fossem boas, as escolas públicas teriam, pelo menos, mantido os seus lugares relativos nos rankings, mas nunca teriam descido de forma abissal! Acontece que tais políticas não só não inverteram a situação como vieram agudizá-la, já que a instabilidade geral duradoura introduzida nas escolas pelo novo Estatuto da Carreira Docente e, em especial, por esta Avaliação de Desempenho grosseiramente injusta, altamente burocrática e irracionalmente absorvente do verdadeiro trabalho de professor enquanto professor, bem como o incrível conjunto de medidas facilitadoras da obtenção de diplomas, mas não de conhecimentos e competências, está a ter como consequência o desencadear (agora, cada vez mais agudizar) de um processo de decréscimo do nível de exigência das efectivas aprendizagens dos alunos e da sua consequente avaliação. E os resultados nas escolas públicas não são ainda piores, graças ao esforço de muitos professores resistentes que procuram prosseguir – apesar de tudo(!) – um trabalho criterioso, rigoroso, motivador e com sentido ético, com o fito de melhorar realmente os resultados das efectivas aprendizagens dos seus alunos, lutando, porém, contra um ciclópico facilitismo que deles teima apoderar-se!

O segundo facto deve-se – e tal não é muito difícil de compreender – ao facto dos exames de Matemática terem sido injustificadamente tão mais fáceis, ao ponto dos alunos em geral terem conseguido classificações anormalmente mais elevadas. Os alunos das escolas privadas conseguiram mesmo resultados bastante elevados. Isto explica-se porque esses alunos conseguem estar mais bem preparados para os exames e isso – entre outras razões – por nas escolas privadas ser mais fácil, digamos, “fugir” a algumas das mais nocivas políticas (des)orientadoras do ME!

Os que mais sofrerão com este decréscimo do nível de exigência na aprendizagem de conhecimentos e competências são, pois, os alunos que frequentam as escolas públicas e, destes, sobretudo, …precisamente os mais desfavorecidos. É caso para se dizer que a “educação socialista” deixou de ser… socialista! (Terá passado a ser um instrumento de domínio pelo prolongamento e gestão da ignorância?)

Assim, somos impelidos a concluir que, no "ranking das políticas educativas", as propostas deste ME estão, manifestamente, a afundar-se cada vez mais na tabela!

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Afinal, estava (quase) tudo mal!

O relatório da Comissão de Inquérito ao último acidente na linha do Tua conclui, finalmente, que «defeitos grosseiros» na via e automotoras desadequadas estiveram, com certeza, na origem do acidente. E isto com base num número tão significativo de causas, que é, ao mesmo tempo, desesperante e vergonhoso que tal possa estar a acontecer neste país europeu, que o nosso actual timoneiro quer que siga o exemplo dos países nórdicos! Senão, veja-se:

- «A via no local do acidente apresenta defeitos grosseiros e facilmente identificáveis e suficientes para justificar a ocorrência do descarrilamento»

- Uma curva com medidas desadequadas, defeitos de alinhamento, de empeno, travessas que «necessitam de substituição imediata» (há 18 anos que não são substituídas e algumas têm já 40 anos, já que, segundo o documento, «a sua idade varia entre 1968 e 1990»).

- Falhas nas automotoras («desadequadas características do material circulante») – problemas nas rodas, falta de lubrificação e pouco amortecimento.


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Mais tranquilos ficamos com a conclusão de que não foi apurado qualquer «indício de actos de intervenção dolosa ou negligente produzidos por intervenção humana», segundo concluiu a Policia Judiciária que participou nas investigações, o que já não é nada mau!
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O ministro Mário Lino deu um prazo de 15 dias ao IMTT para apresentar um cronograma e deu 30 dias à Refer e CP para realizarem averiguações internas para apuramento das causas que conduziram às anomalias identificadas, o que, como assim veremos, é apenas para inglês ver!
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É, no entanto, curioso notar como em outros países mais evoluídos cívica e politicamente, perante uma situação tão clara de incumprimento das obrigações do Estado perante a salvaguarda da segurança dos cidadãos, se teriam apurado as respectivas responsabilidades políticas desta bárbara incúria e se teria procedido à respectiva demissão do responsável da tutela, que seria proposta pelo próprio, claro. O mais parecido que temos com tal, foi no trágico caso da ponte de Entre-os-Rios…, mas aí houve mais vítimas mortais! Em Portugal é tudo uma questão de vítimas mortais – “4” é ainda um número abaixo da responsabilização política!!

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Maria Filomena Mónica a pensar

A propósito da polémica avaliação de professores e, em geral, do estado da educação em Portugal, parece-me importante citar aqui parte de uma entrevista que Maria Filomena Mónica – socióloga, mulher do também sociólogo António Barreto, intelectual de esquerda bastante respeitada – concedeu à Visão, a propósito do seu livro “Nós, os portugueses” (reunião de crónicas escritas para o Público):

«[MFM] O Estado deve preocupar-se com a redistribuição da riqueza, com a protecção das vítimas (de uma crise como esta), com um sistema de educação decente... disto nem quero falar mais. Aliás, a Saúde está muito melhor do que a Educação.

Arrasou os exames, nas suas crónicas... Mas mesmo assim, se calhar, nunca houve em Portugal, tanta gente tão qualificada.

Temos de ver o que quer dizer «qualificada». Se é ter um doutoramento, há muita gente nas Humanidades que tem um doutoramento e não devia ter. Há demasiado dinheiro para doutoramentos. E há muita gente que não os completa. Aliás, dá-me ideia de que, nas ciências exactas, as pessoas estão mais preparadas. Eu dei um curso de Literatura, na Faculdade de Letras, e eles recusavam-se a ler livros! Queriam fotocópias de capítulos. Não dou! O Ministério da Educação não confia nos professores e não os deixa sozinhos a corrigir testes qualitativos. Quer que eles sejam meros carimbadores automáticos de regras malucas que inventaram, como as do secretário de Estado Valter Lemos, que acha que há umas fórmulas matemáticas para avaliar o sucesso escolar. Como as das respostas de escolha múltipla, que estupidifica e só serve para preencher totobolas... Não distingue o bom do mau aluno, nem o criativo do marrão. Mais: agora, para os mentecaptos pedagogos do ME, existe uma coisa chamada Língua Portuguesa e outra Literatura Portuguesa. Com exames diferentes!

E deve haver avaliação de professores?

Sim, mas de outra forma. Com um corpo de inspectores de professores muito bem pagos. E deviam ser classificados por um director de escola - coisa que não existe em Portugal.
» (Vale mesmo a pena ler a entrevista integral!)

Mas por que razão haverá tantas pessoas respeitáveis – até provenientes da esquerda liberal portuguesa – a contestar (para não dizer: arrasar), com base em argumentos sólidos, a actual política educativa em Portugal?

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Os números sempre exerceram um profundo fascínio no ser humano, em particular os números 1000, 10000, 100000,… Contando que comecem com o algarismo “1” e se prolonguem com vários zeros, causam sempre uma atracção quase mística. Não seria sincero se não concedesse que essa mística dos números também me atinge. Ultrapassar 10.000 visitas num blog sem especial projecção, em que muitas visitas se fazem, provavelmente, pelo conteúdo político, educacional e, por vezes, filosófico é sempre regozijante, sobretudo numa era de alguma pobreza de pensamento ou fuga generalizada perante as “coisas mais sérias”.

Assim, agradeço aos que ocuparam o seu tempo lendo o que aqui tenho escrito, especialmente aos que tiveram a lucidez de comentar criticamente o que leram, colocando em acto a inegável dimensão crítica e dialógica do pensamento (político, educacional e filosófico). Não poderia passar sem deixar aqui um agradecimento muito especial aos amigos que visitam com regularidade o blog e, sobretudo, aos meus alunos, que vêm efectuando alguns comentários críticos, num gesto ensaísta de cidadania de enorme importância futura.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

“Orçamento de risco”

O Orçamento de Estado é a trave mestra da gestão financeira do Estado. O orçamento apresentado para o difícil e incerto ano de 2009 é um arriscado misto de bom e mau orçamento.

Por um lado, apresenta alguns indicadores de confiança para a economia, no sentido em que, por exemplo, aumentando os vencimentos da função pública em 2,9% (maior aumento dos últimos 7 anos!), dá um pouco mais de poder de compra aos consumidores e, criando um fundo de auxílio ao pagamento das obrigações com créditos à habitação em risco, pode evitar, pelo menos aparentemente, o colapso económico de muitas famílias e até dar esperanças ao mercado imobiliário.

Mas, por outro lado, é um orçamento de risco, à partida, pelo menos pelas seguintes razões:

1. Cria um problema às empresas, quando as pressiona, indirectamente, no sentido de um aumento salarial na mesma ordem de grandeza do da função pública, quando nesta fase de recessão económica se impõe uma contenção de despesas muito rigorosa para fazer face à inevitável estagnação ou mesmo quebra da facturação.

2. Ao criar um fundo para gestão das dificuldades de cumprimento de compromissos com crédito à habitação, este governo cria um duplo problema:
2.1. obriga a que a injecção de capitais nesse fundo seja feita, pelo menos inicialmente, pelo Estado, uma vez que, com o mercado imobiliário em crise, os privados não arriscarão agora injecção de capital, introduzindo, assim, um grave problema de justiça distributiva, uma vez que os cidadãos contribuintes que sempre cumpriram as suas obrigações com os seus créditos irão contribuir para pagar as obrigações daqueles que, por várias razões, não fizeram bem as contas à vida!
2.2. e cria nas pessoas (e no mercado) aquilo que pode muito bem ser apenas uma ilusão de que, afinal, esta crise não exige grandes preocupações quanto ao eventual consumo acima das possibilidades (que poderia muito bem ser apelidado de “consumo selvagem”), pois há sempre o Estado que nos vem dar uma mãozinha…

3. Como os movimentos da economia nacional e internacional são bastante incertos, as previsões do governo para 2009 podem vir a ser obrigatoriamente revistas ainda mais em baixa e estragar as contas a Teixeira dos Santos (até porque as receitas não tenderão a aumentar), o que implicará, para prover aos compromissos orçamentais das despesas crescentes (por exemplo, com aumentos salariais ou com a gestão do fundo de auxílio ao pagamento de crédito à habitação), um aumento da dívida pública, aumentando ainda mais a nossa dependência face ao exterior e colocando cada vez mais em causa o futuro das próximas gerações.

Num tempo de evidentes necessárias contenções, de rigor e prudência a tentação eleitoralista é mais forte e José Sócrates e Teixeira dos Santos cedem na política financeira de rigor, que vinham seguindo mais ou menos escrupulosamente e com algum êxito. Mas também não são muitos aqueles que têm conhecimentos e competências suficientes para compreender economia política e finanças públicas ou que com isso ocupem o seu tempo, por isso o risco político acaba por ser pequeno!

segunda-feira, 13 de outubro de 2008



Dar a pensar

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«(…) O verdadeiro significado que o Cristianismo teve para a vida política residiu na sua transformação dos valores humanos.

O Cristianismo afirmava que todas as almas humanas tinham o mesmo valor aos olhos de Deus. E o valor de cada indivíduo não residia na sua participação na razão universal, mas numa personalidade que respondia ao desafio do pecado. Para os filósofos era difícil explicar esta noção de personalidade e tendiam a voltar à descrição clássica da vida moral como uma competição entre a razão e as paixões. Com o aparecimento do protestantismo durante a Reforma, no século XVI, tornou-se evidente para todos, protestantes e católicos, que os seres humanos modernos tinham de ser concebidos em termos de vontade, embora não num qualquer sentido superficial que identificasse a vontade apenas com cada um fazer o que lhe aprouvesse. O Cristianismo desviou a atenção dos homens da conquista política e das coisas materiais do mundo, virando-a para o culto da vida interior, sendo o aparecimento do mundo moderno a construção lenta de uma sociedade na qual essa preocupação com a vida interior podia acompanhar completamente o envolvimento com o mundo. O mundo moderno é, evidentemente, um processo dinâmico, e o individualismo, neste sentido, talvez já tenha ultrapassado há muito o seu apogeu, mas os seus vestígios ainda se encontram entre nós, [quando tentamos saber] como atingir a felicidade através da realização interior e na divulgação da ideia dos direitos humanos, que não seriam concebíveis senão como resultado do percurso tortuoso da teologia cristã.»

Kenneth Minogue, Politics: A Very Short Introduction (London: Oxford University Press, 1995), trad. port. de Maria Manuel Cobeira, Política – o essencial (Lisboa: Gradiva, 1996) 44-45.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Clarividência não-eleitoralista

O eng.º Marçal Grilo, antigo Ministro da Educação do governo PS de António Guterres, disse ontem, entrevistado por Mário Crespo no Jornal das 9 da SIC Notícias, a propósito do pequeno "Magalhães", duas coisas essenciais, que importa louvar:

1. As escolas precisam de computadores - é uma evidência, indiscutível -, mas os professors precisam de formação específica para retirarem os melhores dividendos pedagógicos do uso do computador como um instrumento, entre outros, que pode auxiliar nas boas aprendizagens;

2. O "Magalhães" está a ser apresentado - disse ainda Marçal Grilo - como uma solução para o problema das apredizagens de conhecimentos e competências das crianças portuguesas - ainda abaixo do que seria desejável, quando comparado com outros países do mundo (por exemplo, pelo PISA, da OCDE) -, quando o essencial é que as escolas precisam de exigir mais dos alunos, os pais precisam de exigir que os seus filhos aprendam mais e, o mais importante, é preciso que os pais comecem a perceber que os seus filhos precisam de trabalhar mais, esforçarem-se mais, mas para isso terão de lhes incutir mais disciplina e hábitos e estilos de vida compatíveis com o sucesso escolar, caso queiram aprender o fundamental para poderem viver, quando não mesmo sobreviver, de forma condigna como pessoas neste mundo complexo e exigente.
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É claro que é disto que é necessário convencer os portugueses!
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Marçal Grilo terá dito o que disse, e bem, porque... não é candidato pelo PS a governar Portugal?! Ainda bem que há pessoas que reflectem sobre as políticas condutoras de tal pilar fulcral de qualquer sociedade, como é a educação e o ensino, com a lucidez de quem parece não estar manietado por infelizes interesses partidários e eleitoralistas (ou outros!), que só adiam a resolução dos problemas básicos do país!

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Reformas compulsivas

É hoje notícia na imprensa o aumento exponencial de reformas de professores. A questão fundamental a colocar é esta: será o resultado de um insolúvel problema de inadaptação de muitos a uma profissão naturalmente cada vez mais exigente ou resultará de uma transfiguração artificiosa da profissão de professor protagonizada pelas políticas educativas deste governo, com intuitos economicistas e populistas, fazendo-se uma verdadeira "limpeza à casa"? Natural inadaptação absoluta ou artificiosa transfiguração perversa?

É sempre demasiado fácil resolver dicotomias tentando conciliar ambas as partes. No entanto, a complexidade desta questão obriga-nos a pensar que, de facto, poderá muito bem ser uma dramática conciliação de ambas as causas!


Fotografias...




Lumen
(Figueira da Foz, Julho 2008)
© Miguel Portugal

sábado, 4 de outubro de 2008

O que há de mal no "Magalhães"

O contacto das crianças com o computador -- instrumento evidentemente importante na vida moderna contemporânea -- deve ser efectuado quando aquelas tiverem possibilidades desenvolvimentais para o fazer, o que poderá ser, tanto quanto se sabe, na idade escolar do 1.º ciclo.
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Mas a questão do "Magalhães" não é essa. A questão é que o computador tem funções diferentes em jovens de 5-9 anos (função lúdica) e em jovens na pré-adolescência (e adolescência), onde os chats, o messenger e outros serviços on line de grupos têm um papel importante. Portanto, primeira conclusão: um computador pessoal é importante para um pré-adolescente, mas não faz tanto sentido para uma criança em idade de 1.º ciclo.
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Mas, além disso, muito importante é a suposta omnipresença (que ainda ninguém sabe muito bem como aproveitar pedagogicamente!) do "magalhães" na escola, na sala de aula, quando a criança é, nesta idade, um utilizador de jogos (carácter lúdico) e a escola do 1.º ciclo, por muito lúdica que seja, é um espaço e um tempo, sobretudo, de aprendizagens básicas muitíssimo importantes -- ler, escrever e calcular. Ou seja, aprendizagens prévias às aprendizagens das TIC! Segunda conclusão: se é bom a criança ter contacto com o computador na escola (num determinado tempo) ou em casa, a posse de um computador pessoal (ainda por cima, portátil) pode desviá-la já -- desde cedo, portanto -- do essencial, que é apreender competências de leitura, escrita e competências matemáticas.
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Em suma, o "magalhães" pode ser, em certas circunstâncias, mais prejudicial do que benéfico, nesta fase etária. Para não ser prejudicial, requer uma utilização pedagógica muito bem estudada (ninguém conhece qualquer estudo!) e uma vigilância parental cuidada (em Portugal, impossível de generalizar a todos os lares, justamente por falta de conhecimentos e competências, não tanto informáticas, mas de literacia em geral de muitos adultos!).
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Quem viu/ouviu Steve Ballmer, o sucessor de Bill Gates na Microsoft, ontem entrevistado no "Expresso da Meia-Noite" (SIC Notícias), reparou que o argumento apresentado para defender o uso do "Magalhães" foi o de que Portugal é o primeiro (único até agora) país no mundo a introduzir um computador no 1.º ciclo do ensino básico! Fantástico! Mas é só isso -- fantástico! E é-o, sobretudo, para uma empresa que está, naturalmente, interessada em lucrar com o "Magalhães"! Mas também não é menos fantástico para um governo que tudo fará (nem que seja obscurecer o essencial com a distribuição destas maravilhas da técnica!) para ser reeleito. Ou seja, o pior é que o "Magalhães" é apresentado como se fosse uma solução ("modernaça", tanto ao gosto do nosso PM) para o problema das fracas competências básicas (matemática e língua materna!) evidenciadas pelas crianças portugueses quando comparadas com outras de outros países, quando os estudos científicos que existem mostram que não há nenhuma relação entre o uso e posse de PCs e o rendimento escolar!
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Choque tecnológico, sim; mas não é tudo. Há mais (e coisas mais substanciais) a fazer na educação em Portugal!

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Tropelias!

Veja-se aqui (via 31 da armada) um depoimento de um professor coordenador de um Departamento de Tecnologias da Informação e Comunicação, a propósito de uma acção de propaganda, perdão, digo, formação, acerca do "magalhães" (professor que, por acaso, até vislumbra utilidade pedagógica no dito!). Afinal, um dos problemas do sistema educativo em Portugal, apontado por este governo (e bem, diga-se), residia na falta de qualidade, rigor e exigência da formação contínua de professores... Coisas do passado, problema resolvido!

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

"Mais Platão, menos Prozac!"

Numa altura em que se sabe que o consumo de barbitúricos e anti-depressivos aumentou em Portugal, parece-me oportuno lembrar que talvez fosse mais vantajoso para curar as dores da existência se se lesse um pouco mais sobre como compreender uma série de coisas assustadoras e perturbantes, mas, apesar de tudo, compreensíveis, desde que sejamos adequadamente orientados para as perceber.

De facto, prolifera há muito um género literário muito divulgado nos países anglo-saxónicos, sobretudo nos E.U.A., que poderíamos apelidar de "divulgação filosófica", em que se pretende partilhar com os não-filósofos o que de mais importante e até útil esta aventura milenar do saber crítico pode ter para o ser humano. E dentro deste género, há muitos bons livros, alguns deles traduzidos para português. Um deles é precisamente Mais Platão, menos Prozac!, de Lou Marinoff, em que o autor procura defender a tese de que possuir "umas tintas de filosofia" (para usar a célebre expressão de Russell) pode ajudar a compreender muitas perplexidades e problemas da vida quotidiana do homem e da mulher que vive nas sociedades modernas contemporâneas e que têm, nos países mais desenvolvidos, atafulhado os consultórios de psicologia e psiquiatria.

Virtual ou real, a (boa) leitura, bem como a reflexão racional e crítica são sempre o caminho da libertação!

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

"Magalhães" desmistificado... para letrados!

Reflicta-se neste bem informado e lúcido texto de Pacheco Pereira sobre a mística da infotecnologização salvífica de Portugal e das futuras gerações e constate-se, em acto, como a literacia da leitura subjaz, como condição sine qua non, a outras literacias, designadamente das TIC, e, por isso, deve ser muito bem trabalhada pedagogicamente nos primeiros anos escolares, o que, muito provavelmente, não passará, talvez bem pelo contrário, pelo uso de... computadores!

"A máscara de Sócrates"

Leia-se a contundente e desmistificadora crítica do Professor Paulo Morais, num excelente artigo de opinião no JN de hoje, à demagógica e propagandista forma de estar na política de José Sócrates, que, apesar da sua mestria nestas áreas mais superficiais da arte de convencer sobre o "melhor" para a res publica, começa a esboroar-se.
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O rei ainda não vai nu..., mas quase! E o país continua à espera de alguém... sem máscara!

Fotografias...




“Step by step“

(Trás-os-Montes, Agosto 2008)

© Miguel Portugal

terça-feira, 30 de setembro de 2008

Pobres de espírito!

Uma vereadora do PS, responsável durante anos pela Acção Social da Câmara de Lisboa, arrendou uma habitação de duas assoalhadas à Câmara Municipal de Lisboa (que passou a ser propriedade desta por vias obscuras!) pelo valor de 146€… e reformou-se agora com a renda de 3350€!

Não é sem alguma tristeza que escrevo isto…, mas isto só é possível num país em que a cidadania generalizada, realmente crítica e informada, emigrou e “isto” não é outra coisa – é necessário dizê-lo – senão o resultado de uma pobreza de espírito confrangedora, que não permite a muitas pessoas que ocupam cargos públicos fazê-lo com o mínimo de ética espectável.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Não há tempo para rigor!

O tempo da política propagandista, demagógica e eleitoralista não é o tempo das políticas reformistas profundas, enraizadas na assunção das necessidades e consciencialização dos cidadãos. Tal se nota claramente no tão importante processo de avaliação de educadores e professores do ensino básico e secundário, que o governo quer implementar “para ontem”, à revelia da complexidade que este processo detém “em qualquer parte do mundo” (civilizado, pelo menos!), se a finalidade maior for uma efectiva melhoria do sistema de ensino, ao nível do desempenho docente e consequente melhoria das reais aprendizagens de conhecimentos e competências dos alunos.

Muitos professores e algumas escolas vêm agora requerer, com base numa recomendação (algo genérica, diga-se, e, portanto, estéril, sem querer comprometer muito!) do Conselho Científico de Avaliação de Professores (CCAP), a eliminação dos resultados dos alunos como critério no processo de avaliação dos professores. A razão central é fácil de compreender, embora, pelos vistos, não por todos: tal critério poderá perverter o essencial – as reais aprendizagens dos alunos estarão preteridas por um resultado final determinado a priori por uma percentagem de sucesso, que é uma meta a alcançar pelo professor, não tanto no seu trabalho missionário, mas na sua avaliação de desempenho! Pense-se num critério que baseia a avaliação do desempenho do professor no sucesso exponencial dos alunos, que é cada vez mais “estatístico” e menos real! Ora, a única forma de avaliar justa e eficazmente os resultados dos alunos realmente conducente a um incremento da melhoria da praxis docente com consequentes maiores e melhores aprendizagens efectivas dos seus alunos, seria através de rigorosos exames nacionais em finais de ciclo de ensino, que verdadeiramente testassem conhecimentos e competências ensinados e apreendidos. Mas isso é muito pouco popular, pois vivemos um clima tão surreal como paradoxal: crescente necessidade vital de reais qualificações pluridisciplinares e, por outro lado (para atacar a crise!), um facilitismo hedonista pacóvio, que vem adormecendo o povo, através de salvíficos planos tecnológicos (por muito necessários que sejam), que injectam computadores e quadros electrónicos em salas de aula degradadas (mas pintadas de fresco por fora!), qual opiáceo político que mantém os mais desfavorecidos agarrados a um terceiro-mundismo dilacerante.

Só não vê quem não quer ver: num país de muito fraca cultura de avaliação da qualidade do desempenho profissional, começa-se por impor, de modo completamente desenraizado, um processo de avaliação altamente burocratizado (segundo alerta da CCAP), com critérios altamente discutíveis e mesmo pedagogicamente perigosos, que poderá colocar em risco o que resta da escola pública.

Mas… não há tempo para estas considerações incómodas. E é sempre fácil afirmar uma ou outra brilhante sentença travestida de contra-argumento, característica de quem se encontra precisamente desprovido de uma verdadeira qualificação lógico-argumentativa (daquelas que se aprendem na “escola real” e não virtual!), como por exemplo (eis uma das mais imbecilizantes e alienantes): “os professores (pelo vistos, todos!) parecem não querer o sucesso dos seus alunos”!

Aguarda-se o que dirá o ME perante mais uma recomendação de um conselho consultivo criado pelo próprio ME!

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Se não é propaganda...?!

Com o "Magalhães" de vento em popa (salvo um ou outro filtro de barragem de conteúdos indesejados para crianças do 1.º ciclo, que caíram borda fora), o governo prepara uma verdadeira campanha eleitoral, que arrasará qualquer possibilidade de compreensão mais profunda e serena do tão complexo problema da educação em Portugal, que se encontra numa importante fase de viragem.

No caso do salvífico computadorzito, há que perguntar uma ou duas coisas:

1. Qual a finalidade pedagógica do "Magalhães"? Haverá já um projecto pedagógico delineado pelo ME que mostre como este instrumento beneficiará as aprendizagens de conhecimentos e competências básicas disponibilizadas pelo 1.º ciclo?

2. Qual o peso e importância que a manipulação do computador terá no quotidiano das aprendizagens dos alunos? Será um meio ou um fim?
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3. Serão as funcionalidades e possibilidades de soft e hardware adequadas a crianças do 1.º ciclo? (No caso da câmara de vídeo incorporada, pessoalmente, não considero apropriada para jovens adolescentes, quanto mais para crianças do 1.º ciclo!)
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Claro que a dotação das escolas com computadores é, hoje, algo de perfeitamente banal de tão necessário que é, ao nível dos instrumentos didácticos disponibilizados. No entanto, esse instrumento pode ser completamente alienante para crianças e jovens (como mostram vários estudos efectuados) e, se não houver cuidado, podemos estar a educar para a alienação! Quanto ao controlo parental, sabemos que tal é algo difícil de se fazer em muitos lares portugueses!
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Quando se faz propaganda, não se reflecte no essencial, mas é o essencial que aqui vale a pena ser pensado!

Propaganda ou futuro?

No início da semana a ME, Maria de Lurdes Rodrigues, anuncia o paraíso: em breve haverá 100% de sucesso no final do 9.º ano de escolaridade, alegando que estão reunidas em Portugal as mesmas condições que têm permitido que isso aconteça em muitos países da Europa.

Todavia, este argumento de MLR suscita – a quem se interessa, de facto, por estas questões – duas dúvidas.

1. O que entende MLR e o ME por sucesso escolar? Será um quadro de resultados positivos no final do ensino básico, independentemente daquilo que os alunos, de facto, tenham apreendido, em termos de conhecimentos e competências? Se assim for, como já tive, infelizmente, oportunidade de referir, basta “levantar o pé” e os resultados – não as aprendizagens – “melhoram” e é bem possível atingirem o místico número 100 (%)! E como se “levanta o pé”? Através da megaburocratização kafkiana que pressiona os professores que detenham informações necessárias e suficientes para reprovar o aluno (fazê-lo reaprender melhor!) e através de exames de conhecimentos e competências de “fácil acesso para todos”!

2. Depois, é importante perguntar que condições são as necessárias, que existem nos países em que o sucesso é, de facto, de 100%, que a ME afirma existirem em Portugal. A sra. Ministra não as referiu, a não ser que entenda que essas sejam os “factos” dos nossos alunos serem tão capazes como os europeus, dos nossos professores serem tão qualificados e empenhados como os seus congéneres do restante sol poente e das escolas estarem, em breve, transformadas em escolas do (nosso) futuro… (em termos informáticos, claro!) Mas será que a nossa escola está efectivamente organizada para incrementar hábitos de trabalho e de verdadeira aprendizagem de conhecimentos e competências nos alunos como uma imperiosa necessidade de sobrevivência no mundo de hoje? E os encarregados de educação, terão a mesma concepção dos seus congéneres europeus acerca da verdadeira importância da escola e dos hábitos de trabalho que devem incutir aos seus educandos para a ela se adaptarem e, com isso, crescerem como seres humanos melhor adaptados ao exigente mundo da vida?

Sejamos claros: há francas possibilidades – ou é necessário acreditar nisso – para que o verdadeiro sucesso atinja todos os alunos no ensino básico. Mas são, neste momento, apenas possibilidades, que é necessário colocar em acto!

A sra. Ministra esquece que as verdadeiras condições para atingir tal meta passam por, entre outras: aumentar o número de horas semanais que o curriculum em Portugal, ao contrário do resto da Europa, dedica à Matemática e à língua materna; diminuir o tempo que os alunos passam em áreas não curriculares, como “estudo acompanhado” e, principalmente, “área de projecto” (não tanto porque estas áreas de estudo não façam sentido, mas porque é necessário disponibilizar mais tempo para aquelas disciplinas nucleares); restituir aos professores o tempo, a serenidade e a confiança necessários para que, enquanto eternos apaixonados estudantes que são (devem ser ou devem mostrar que o são!), façam o seu trabalho, que consiste, não em preencher papéis inúteis, mas em preparar (científica e didacticamente) o contacto das crianças e dos jovens com o fabuloso mundo da cultura e do conhecimento humano; e, at last but not least, incrementar, junto dos encarregados de educação, uma verdadeira atitude de orientação responsável e atenta dos seus educandos, instituindo, por exemplo, hábitos de verdadeiramente consequentes visitas às escolas dos filhos, onde encontrarão professores devidamente sensibilizados e qualificados (que os há, embora seja, com certeza, necessário mais e melhor) para os aconselhar, porque a educação é tão importante ou fulcral quanto a saúde! (Haverá, por exemplo, algum item programático no curriculum da educação para adultos, ao nível das Novas Oportunidades, que contemple tão elevado desígnio? Ou a ideia é mesmo apenas atribuir diplomas para aumentar as salvíficas estatísticas?!)

Quando um Ministro da Educação profere aquelas belas palavras, das duas uma: ou tem na sua posse sólidos elementos para mostrar como isso é, efectivamente, possível e quando; ou então está apenas a autopromover-se com vista a uma outra finalidade, que não a de incrementar políticas educativas. É fácil, com o nível cultural e a “filosofia” de vida de muitos encarregados de educação hoje em Portugal, apelar às emoções do povo (mas mesmo assim, já há quem esteja atento)! Mais difícil – porque mais exigente, embora não impossível – é pensar profundamente políticas educativas de verdadeiro sucesso para um verdadeiro futuro de possibilidades para todos.

sexta-feira, 19 de setembro de 2008


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Dar a pensar

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«A tradição democrática liberal é formada por um ideal de liberdade, igualdade e realização que na melhor das hipóteses foi realizado apenas parcialmente e que poderá não estar ainda completamente imaginado. O significado espiritual da história [das] nações democráticas é principalmente a história da busca deste ideal. O coração da tradição liberal é um processo criativo, um método de transformação social e individual, construído para permitir aos homens e às mulheres a incorporação deste ideal.
(...)
A democracia liberal é uma estratégia social que permite aos indivíduos viverem uma vida boa. Está inalteravelmente oposta à ignorância. Defende que o conhecimento e a compreensão têm o poder de libertar as pessoas. O sangue vital é a comunicação livre construída na liberdade de inquérito, discussão e reunião. O poder libertador da democracia está também estritamente ligado ao que podemos chamar de método democrático da verdade, que confia na experiência e na inteligência experimental. A ideia de absolutos morais e de uma hierarquia fixa de valores é rejeitada. Nenhuma ideia do bem está acima do criticismo, mas isto não conduz a um relativismo sem direcção. Através da experiência, com a ajuda da inteligência experimental, poderemos encontrar vastas bases para fazer juizos de valor objectivos numa situação particular.»
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Steven C. Rockefeller, "Comentário" in: Charles Taylor et al, Multiculturalismo, trad. port. de Marta Machado (Lisboa: Instituto Piaget, 1998) 105, 109-110.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Olímpicos -- amostra fidedigna

Afinal de contas, a representação portuguesa nos Jogos Olímpicos acabou por constituir uma amostra bastante fidedigna do país que somos, embora gostássemos de não ser: dirigentes que prometem medalhas ao governo, outros supeitos de desviarem fundos; governo que governa na esperança de propaganda, venha de onde e como vier; atletas sonolentos, preguiçosos e pouco dotados comunicacionalmente; e, naturalmente, também alguns (poucos) campeões.

Se não é este o país que realmente somos...!

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Professores de confiança, políticos nem por isso!

Muito pertinente reflexão de Carlos Fiolhais, a propósito do último folhetim propagandista de José Sócrates sobre a "renovada" imagem (aos seus olhos de eleito, claro) dos professores! Afinal, nem todos somos ingénuos, incrédulos ou ineptos... Se os professores mantêm hoje a confiança dos portugueses, talvez seja por terem prosseguido a sua acção sem confiarem muito nalguns políticos portugueses!

11 de Setembro

Há 7 anos atrás, nesta precisa hora, ruía a segunda torre gémea do World Trade Center, em Nova Iorque, por força do brutal atentado terrorista. Aqui fica mais um simbólico minuto de silêncio em solidariedade com o povo americano, porque, afinal, como disse, de modo feliz, o Mayor de Nova Iorque, «hoje assinala-se o sétimo aniversário sobre o dia em que o nosso mundo ruiu»!

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Grandes números, pequenas virtudes!


As estatísticas fornecem um fácil instrumento de propaganda governativa, uma vez que permitem, pelo menos, leituras diferenciadas e a preceito, quando não são mesmo manipuláveis ab ovo. O PM e a ME congratulam-se pelos excelentes resultados alcançados no último ano pelo sistema educativo, o melhor da última década, rejubilando com uma melhoria no número de alunos que transitaram de ano, nos vários ciclos de ensino.

No entanto, o PM e a ME esquecem que:

1. É cada vez mais difícil reprovar um aluno, dado o peso burocrático completamente kafkiano que carregam os docentes, designadamente do ensino básico, se estiverem na eminência de o fazerem.
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2. Apesar de haver menos reprovações, continua a haver um número demasiado elevado de alunos, que, no final de um ciclo de ensino, quando mostram o que aprenderam, continuam a não evidenciar competências e conhecimentos suficientes para transitarem para o ciclo seguinte.

3. As diminutas percentagens de alunos que não transitaram de ano não mostra necessariamente que houve (por muito que, naturalmente, possa ter havido) um significativo acréscimo no envolvimento de professores, alunos e encarregados de educação nesse sentido: isto porque, por um lado, não é mensurável, nem objectivamente fácil de identificar como causa necessária, o empenhamento de professores, muito menos de alunos e encarregados de educação, no sentido de ter sido esse o factor determinante para a melhoria dos resultados (é claro que todos se esforçaram; mas como saber se o fizeram mais este ano do que em anos anteriores?! Pode dar-se o caso de se terem esforçado o mesmo ou ainda menos e terem obtido melhores resultados, desde que o nível de exigência na prestação de provas e ou o rigor na avaliação tenha diminuído!); por outro lado, o único instrumento fidedigno de avaliação efectiva de conhecimentos e competências, que é um exame nacional, tem vindo a ser utilizado (quando é utilizado!) pelo ME de forma pouco rigorosa e, designadamente neste ano transacto, foi utilizado, por vezes, de modo bastante facilitador dos resultados.

Não está em questão o valor da progressão generalizada dos alunos ao longo do seu percurso escolar. Quantos menos chumbarem, tanto melhor, obviamente! Como também não se questiona aqui a valência pedagógica do modelo (aliás, praticado um pouco por essa Europa fora) baseado no princípio da não-retenção do aluno ao longo da escolaridade obrigatória, fornecendo ao aluno que não adquiriu os conhecimentos e competências mínimas próprias de cada ano ou ciclo, uma ajuda suplementar no ano seguinte para recuperar dessas lacunas. Mas a questão não é essa. A questão é que:

1. Quanto ao modelo da não-retenção, há que fazer um efectivo investimento material, pedagógico e, sobretudo, ao nível das mentalidades (de pais, alunos e também professores) no sentido de empreender verdadeiramente – e não apenas para “inglês/burocrata/papalvo ver” – um conjunto de actividades de recuperação do aluno com essas necessidades; mas assumir também que, mais cedo ou mais tarde (como também acontece por essa Europa civilizada fora!), o aluno em questão vai ter que prestar provas daquilo que realmente aprendeu, bem como assumir que é necessário disponibilizar percursos pedagógicos verdadeiramente alternativos e ajustados às necessidades dos alunos e do mundo do trabalho em que, de qualquer modo, poderá vir a inserir-se de modo proveitoso.

2. E depois é preciso compreender que os efectivos critérios de avaliação de conhecimentos e competências (aqueles que se põem realmente em pratica) têm vindo a decair em termos de rigor e exigência ao longo dos últimos anos, instalando-se no sistema de ensino um ambiente de algum facilitismo (lamentado, por exemplo, por docentes do ensino superior!), em muito boa parte da responsabilidade da inabilidade política deste governo e da sua empobrecedora filosofia romântica para a educação. Em suma, ao invés de se ter criado uma dinâmica de incremento do esforço, empenhamento e esperança, passou-se a ideia (intencionalmente ou não) de que pouco mais há a fazer para melhorar, coisa que todos conseguirão com pouco esforço, já que os critérios da escola (dos mauzões dos professores!) é que estavam desajustados!
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Como sabem aqueles que sabem, afinal, quando se quer menos chumbos, “levanta-se o pé”…! E esta desaceleração – como também não é difícil compreender – pode trazer grandes e úteis números, quando habilmente trabalhados no momento por uma máquina propagandística bem oleada e dirigida a um povo bem permeável; mas acarreta a perversa consequência do espectro das pequenas virtudes, que vão continuando a caracterizar – qual fado – a (des)qualificação cultural, profissional e de cidadania de muitos portugueses.

O que se joga na construção de uma barragem

(Cahora Bassa, Moçambique)
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Dois dos maiores problemas do mundo actual são a falta de recursos hídricos e a crise energética. Com o crescimento da população, o aumento da poluição de rios e lagos, entre outros, a crise da água é um facto que deve preocupar os decisores políticos, mas igualmente a sociedade em geral. Também devido ao aumento populacional e ao desenvolvimento das sociedades aumentou a procura e o consumo de energia em todo o mundo, de que a crise do petróleo é um exemplo paradigmático. A construção de barragens tem sido uma solução clássica atraente para resolver os dois problemas: aumenta as reservas de água e propicia a produção de energia.
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Contudo, com a construção de barragens jogam-se, irremediavelmente, possibilidades que nem sempre são consciente nem amplamente debatidas. A destruição de habitats naturais, de flora e fauna, colocam em causa o equilíbrio ecológico, que, em última análise, terá efeitos nefastos na cadeia alimentar humana, no ambiente (contribuindo, por exemplo, para as alterações climáticas) e na investigação científica (a biodiversidade é, por exemplo, um amplo reservatório de soluções medicinais ainda por conhecer, que cada vez se encontra mais reduzido – ao desaparecer uma espécie viva, animal ou vegetal, podem estar a perder-se, irremediavelmente, substâncias químicas que poderiam vir a ser fundamentais na produção de medicamentos, bem como possibilidades de conhecimento, de maior compreensão do mundo em que vivemos).
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Mas com a construção de uma barragem joga-se também uma alteração morfológica profunda da geografia dos locais, irrecuperável no futuro. Quando se constrói uma barragem está a alterar-se para sempre (note-se o peso deste PARA SEMPRE!) a paisagem natural de um vale, que o ser humano futuro jamais poderá recuperar. Caso se venham a encontrar, no futuro, outras soluções para os problemas que as barragens, hoje, pretendem resolver, os vindouros muito dificilmente (para não dizer que será completamente impossível!) poderão desconstruir as barragens e recolocar no seu lugar os vales e montanhas com fauna e flora primitiva e, assim, poderem vir a beneficiar da sua vital importância!
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E para além daquele impacto ecológico referido, a construção de uma barragem poderá colocar igualmente em causa coisas de grande valor, como uma paisagem única e esteticamente valiosa e ou um potencial investimento turístico e consequente mais-valia para o desenvolvimento económico de uma região, como é o caso do vale do Tua, serpenteado pela bela linha férrea. (Não podemos esquecer que o nosso país tem condições naturais excepcionais para atrair turismo; no caso, a linha do Tua é um claro exemplo de potencial turístico de elevada qualidade, bem diferente daquele potenciado por uma artificial albufeira!)
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Ora, escolher simplesmente (demasiado simplesmente) uma barragem em detrimento de uma paisagem e infra-estrutura ferroviária patrimonial – com potencial turístico de futuro, com amplo espectro no mercado turístico europeu e mundial e com consequentes mais-valias económicas evidentes para a região –, com base no argumento da necessidade de construir mais um reservatório aquífero e uma central de produção energética tem um grave e profundo significado. Significa que se está, inconscientemente, a reduzir o ser humano a um animal consumidor de energia e de água, como se ser humano consistisse apenas em consumir água e energia. Trata-se de uma desumanização do homem e da sua consequente animalização.
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Por um lado, é claro que a água é condição necessária de sobrevivência do ser humano no mundo (sem água não há vida, incluindo vida humana). Mas a água não é uma condição suficiente – é preciso algo mais do que água para se viver como ser humano; são igualmente necessários, designadamente, locais que proporcionem experiências estéticas significativas, como belas paisagens miradas através de uma janela de um calmo comboio, bem como fontes de rendimento para as populações. Por outro lado, há outras fontes de produção de energia e, de qualquer modo, talvez se pudesse, neste caso, construir a barragem noutro local da bacia do Tua ou mesmo noutra bacia e, assim, conciliar as duas coisas.
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Sendo a experiência estética uma das mais gratificantes e profundamente constitutivas da nossa humanidade, de que somos capazes, e tratando-se a linha do Tua de um dos mais belos percursos ferroviários da Europa, então, além de valor patrimonial, pode, caso seja alvo de uma exploração profissional e sustentada, vir a ter um valor turístico ainda maior e vir a transformar-se, de facto, numa mais-valia para o desenvolvimento económico da região.
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Ficar sem o único rio selvagem português (com a construção da barragem do Baixo Sabor) e sem a sui generis linha ferroviária do Tua (com a construção da Barragem do Tua) é talvez perder demasiado em troca de ganhos bem menos valiosos e inevitáveis do que se faz crer!Seria, pois, bom que, ao invés de se pretender realizar dogmaticamente programas de governo, de modo completamente descontextualizado e linear, se compreendesse profundamente o que se joga na construção de uma barragem – particularmente nesta – e que se fizesse da decisão política uma decisão verdadeiramente ponderada, sustentada e partilhada!
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(Publicado in Terra Quente, 15-08-2008)