quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Porque se manifestam os professores: 2. Por uma avaliação séria e de alto nível

A Escola pode ser vista, enquanto organização, como se fosse uma empresa. À partida, parece ser boa ideia. Mas dizem os gestores que para fazer mudanças e, designadamente, implementar um sistema de avaliação eficaz é preciso ganhar a confiança dos colaboradores da empresa, convencê-los dessa necessidade, evoluir por pequenos e seguros passos, persuadir de que a avaliação serve para melhorar o desempenho e só depois para premiar e diferenciar. Este governo fez exactamente o contrário. Começou por acusar os professores de serem a causa do insucesso educativo, de não saberem lidar com problemas de indisciplina (quando admitia a sua existência!) e até que os professores nem sequer sabem interpretar a legislação produzida pelo ME (se foi o ME que a fez, é porque está bem feita – qualquer aluno do 11.º ano sabe que isto é um mau argumento!). Na perspectiva da Gestão moderna, o governo está chumbado: não conseguiu implementar as reformas que defende serem fundamentais para o futuro do sistema educativo.
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Os modernos sistemas de avaliação de professores – da Nova Zelândia ao Canadá, passando pela Europa – pretendem avaliar o profissionalismo, a qualidade científico-pedagógica, a formação contínua e o envolvimento do professor. Mas nenhum deles – à excepção do nosso e do Chile (cujos professores já se manifestam também!) – tem esta concretização excessivamente burocratizada e que desvia o professor do seu trabalho de ensinar, cheia de falhas técnicas graves, com falta de rigor, excessivamente punitiva e ilusoriamente premiadora da excelência. As finalidades de uma avaliação moderna, rigorosa e exigente são detectar falhas no desempenho docente, fazer cessar essas falhas, mas, sobretudo, estimular o aperfeiçoamento e a excelência, para que assim se enriqueçam os processos de ensino e aprendizagem. A forma de concretização desenhada por este governo é, quando muito, punitiva das más práticas, mas não proporciona rigor suficiente para aperfeiçoamentos, nem é nada estimulante da excelência. A única motivação que um professor tem para ter um desempenho Muito Bom ou Excelente é antecipar o concurso à carreira de professor titular. Ora, como apenas menos de 1/3 dos professores tem acesso a tal carreira, é muito pouco estimulante trabalhar durante, pelo menos, quinze anos para um desempenho de topo… para depois não ser promovido, quando os critérios de avaliação do concurso para professor titular acabam por nem sequer ter em conta parâmetros de excelência!
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Assim, das duas, uma: ou o governo não tem competência político-técnica para desenhar uma concretização desta exigente avaliação ou não é essa a sua verdadeira intenção. Como não é muito crível essa hipotética falta de competência (bastava olhar para outros sistemas, que não o do Chile!), só nos resta concluir que a intenção do governo nunca foi criar rigorosas e justas condições de aperfeiçoamento do desempenho docente. A verdadeira intenção sempre foi cortar, pura e simplesmente, nas despesas com vencimentos de professores. Mas dizer isto às pessoas (a verdade!) seria bem menos eficaz política e eleitoralmente. Mais fácil foi a estratégia maquiavélica de fazer ressurgir o sempre natural (embora, por vezes, com algumas boas razões) ressentimento popular geral contra “o mau do professor” (que nos disse, em tempos, que não sabíamos…) e fazer de conta que se implementou uma avaliação modernaça!
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Mas há nisto três problemas. 1. É uma estratégia política muito pouco ética, por subjugar o interesse público ao interesse pessoal e partidário, abanando um pilar fulcral de toda uma sociedade, colocando em cheque o seu futuro. 2. Não é verdade que os professores hoje, em geral, sejam “uns mauzões”, que só sabem dizer que o aluno não sabe, pois, em geral, fazem, isso sim, o possível e o impossível para o aluno aprender, num contexto motivacional e sócio-cultural, tantas vezes, paupérrimo, onde quase ninguém quer, a não ser o próprio professor, que o aluno aprenda! 3. E, por último, o problema desta estratégia é que, segundo os economistas, um dos mais eficazes investimentos que existe é, a par da investigação, justamente a educação; ora, tal como não é possível investir eficientemente na investigação desinvestindo nos investigadores, desencorajando-os e deprimindo-os publicamente, assim também não é possível investir na educação limitando-se a pintar as escolas por fora, atirando alguns salvíficos computadores e alguma outra tecnologia atractiva para as escolas e, ao mesmo tempo, denegrindo a imagem pública dos professores (qual “bode expiatório”), responsabilizando-os por todos os males do atoleiro político-organizativo em que está o nosso sistema educativo, punindo-os e assim deprimindo esta função sócio-cultural de proa, que é ensinar. Este quadro desolador, da responsabilidade de um governo democrático, protagonizado por um Ministério da EDUCAÇÃO – coisa apenas vista em Portugal… e no Chile (serão os outros governos todos “imbecis”, como os professores portugueses?!) – está a deixar marcas profundas de instabilidade profissional docente, de crescentes dúvidas na sociedade sobre o real desempenho de profissionais tão importantes para o futuro das crianças e jovens e, assim, está a ser responsável por uma grave e duradoura quebra na confiança e paz social, com consequências trágicas para um país com desafios imensos pela frente.
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Os professores querem um sistema de avaliação moderno, sério, exigente e rigoroso, mas que não seja de tal modo pesadamente burocrático e injustamente punitivo, que ponha em risco precisamente aquilo que pretende melhorar – o desempenho docente, com melhorias para as aprendizagens dos alunos. O governo teima em querer experimentar este modelo; eventualmente, até pode substituí-lo, mas só lá mais para o Verão! Esta crise na educação – de proporções e intensidade inéditas – deve ter um fim urgente. Para isso, os professores dizem “presente!” Assim outros o façam.
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P.S.: Não estou aqui mandatado por qualquer grupo de professores. Trata-se de posições pessoais, embora partilhadas, no essencial, por muitos professores em todo o país.
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(In: Terra Quente 1-1-2009)

3 comentários:

Anónimo disse...

Muito bonzinho. Parabéns

Rui Ramos disse...

Muito bom! Proponho o que nao seria uma visita de estudo mas sim uma visita de ensino à Assembleia da República, onde eu e os meus colegas dariamos uma liçãozinha de lógica aos nossos patrões!
Abraço

Miguel Portugal disse...

Agradeço, caro Reitor, o elogio (nem tudo é "fracote", valha-nos isso!)

Quanto à visita de estudo, meu caro Rui, seria uma iniciativa interessantíssima. Mas não esqueçamos que a acção política nem sempre se rege, infelizmente, pelos cânones do raciocínio válido, nem esqueçamos a complexidade das grandes questões políticas, a que a educação, necessariamente, não escapa. Claro que gerir as despesas com o sistema educativo e implementar um sistema mais exigente de avaliação de desempenho docente não são coisas fáceis, embora sejam menos difíceis do que a confusa actuação legislativa deste governo quer fazer crer.